O melhor da vida

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Desde pequeno, Virgílio gostava muito de ler. Era um autêntico rato de biblioteca e seu grande sonho, quando crescesse, era poder ganhar bem para comprar muitos livros. Assim que recebeu seu primeiro salário, aos 16 anos, sua primeira ação foi comprar um livro, Irmãos Karamazov, de Dostoievski. Um livro grosso, pesado, profundo. Como era de família de poucos recursos, com seu pequeno salário precisava ajudar em casa, mas, economizava ao máximo, deixava de lado as pequenas diversões de um jovem de sua idade para poder comprar seus amados livros, tanto que, antes de completar 20 anos, já tinha uma considerável biblioteca. Estudou o suficiente para ter um bom emprego, casou-se e teve dois filhos. Uma vida pacata, mas cheia de sonhos e expectativas. Virgílio esperava por um tempo que considerava o melhor da sua vida.
Mesmo sendo um devorador de livros, Virgílio formou-se em contabilidade, um ramo que lhe garantiria um bom emprego, o que de fato aconteceu, pois, aos 22 anos, arrumou serviço num banco, onde trabalharia por toda a sua vida. Aos 25 anos, casou-se com uma moça simples e delicada que o faria feliz ao longo dos anos, embora não compartilhasse de sua imensa paixão pelos livros.
Quando a situação foi melhorando, com algumas promoções no banco, Virgílio aliou ao gosto pela literatura, também o gosto pela música e passou a comprar muitos LPs, mais tarde substituídos por CDs. Era um homem eclético e sua discoteca era, de fato, admirável. Mas, por maior que estivessem as suas coleções e por menos espaço de que dispusesse para novos livros e CDs, ele não deixava de comprar. Quando ia passear no shopping com a família, logo se separava deles para se deliciar entre as prateleiras das livrarias e nunca saía sem uma sacolinha com dois ou três livros. Visitar sebos também era um de seus passatempos prediletos e conseguia achar muitas raridades, verdadeiras pérolas literárias.
Chegou ao ponto de construir um cômodo a mais na casa apenas para acomodar os seus preciosos livros. Não tinha estante para todos e muitos ficaram anos adormecidos dentro de caixas de papelão. A mulher o criticava por comprar tantos livros que nem lia e tantos CDS que não ouvia, pois era um homem muito decicado ao emprego, fazia serões extra, levava trabalho para casa e, na época do Imposto de Renda, prestava serviço ao escritório de contabilidade de um amigo, ficando até tarde da noite absorvido com pilhas de declarações. A essas críticas ele respondia sempre que chegaria um dia em que iria viver o melhor da vida, um tempo em que poderia sentar-se, ouvir boa música e ler seus amados livros, alguns ainda no envoltório plástico.
Embora amasse e admirasse os encantos de sua esposa, com o passar do tempo e o excesso de trabalho, a atenção que dispensava a ela foi se tornando cada vez menor, o que a deixava entediada e irritadiça. Ele se ressentia intimamente dessa distância que punha velhos e mornos seus antes apaixonados corações, mas, como o melhor da vida ainda estava por vir, ele iria dedicar à companheira todo o carinho e afeto que ela merecia, reacendendo a chama do desejo e do encanto dos primeiros anos de casados.
O amor que Virgílio tinha pelos livros, sua esposa tinha por viagens e ele incentivava essa sua paixão, comprando-lhe mapas, revistas e livros de turismo, para que ela escolhesse os roteiros e planejasse as viagens que fariam no melhor tempo de suas vidas, que ainda estava por vir.
Os filhos cresceram, se formaram, casaram e, algumas vezes, Virgílio se perguntava se tinha dado a eles toda a atenção que podia, mas, se uma pontinha de culpa o atormentava, logo ele imaginava os anos dourados que estavam por vir, quando teria muito tempo livre para visitar os filhos, recebê-los em sua casa, brincar, ler e contar histórias para os netos.
Faltava pouco para Virgílio completar 60 anos e, felizmente, as temidas reformas da Previdência propostas pelo governo, tinham empacado e ele não precisava mais se angustiar com medo de ter retardada a sua tão sonhada aposentadoria e a entrada no seu mundo dourado, onde o esperava o melhor da vida. Porém, como não temos o poder de controlar tudo o que nos ocorre, numa ensolarada manhã, quando mal adentrara a agência bancária onde trabalhava, Virgílio foi acometido de um tremor seguido de tontura, adormecimento de um lado do rosto e uma forte dor de cabeça que o fez perder os sentidos, sofrera um AVC.
Quando deixou o hospital, a primeira coisa que fez foi agradecer a Deus por ter sido socorrido tão prontamente e poder voltar para casa sentindo-se tão bem, sem nenhuma sequela. Claro, foi um susto e tanto, mas, tudo estava sob controle e o melhor da vida poderia ser vivido sem nenhum percalço. Quando entrou na casa, acompanhado pelo enfermeiro, chamou pela esposa, mas não obteve resposta e supôs que ela, prestativa como era, estivesse no supermercado, a fim de abastecer a despensa e a geladeira com as coisas que ele gostava. Convidou o simpático rapaz que o acompanhava a conhecer o seu amado recanto, enfeitado com belos quadros, alguns vasos de flor, uma confortável cadeira de balanço, um moderno – e quase intacto – aparelho de som que tocava de seus antigos LPs a MP3. Orgulhoso de suas conquistas, respirou a longos haustos ao mostrar para o rapaz as suas imensas prateleiras repletas de livros de todo tipo e assunto que se possa imaginar. E contou-lhe que a sua primeira providência, depois de um banho e um bom almoço seria voltar ao banco para juntar os documentos necessários e agendar um horário no INSS para dar entrada à aposentadoria, porque, depois daquele susto, bastava de trabalhar tanto, Deus tinha sido muito bondoso com ele, deixando-o sem qualquer sequela do AVC e isso era o sinal de que deveria mergulhar imediatamente no melhor da vida, pelo qual tanto esperava.
O jovem sorriu, olhando com admiração para todos aqueles livros, as pilhas de discos e CDs, a decoração esmerada, o conforto e o aconchego daquela imensa sala tão bem preparada para fazer dos sonhos de Virgílio a sua grande realidade. Suspirou, tocou o ombro do sorridente homem e disse:
– Sinto muito, senhor Virgílio, mas, temos que ir agora. Eu fui incumbido de lhe acompanhar até aqui para lhe dar a chance de se despedir de tudo isso, que lhe era tão caro. Eu sou o anjo da morte, o féretro já está saindo e é melhor nos apressarmos se o senhor ainda quiser contemplar mais uma vez o seu finado corpo, que dentro de poucos minutos descerá à cova. Infelizmente, o senhor não teve uma segunda chance e, mais infelizmente ainda, a vida inteira desperdiçou o melhor da sua vida…

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