Palavras ao vento…

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“Não estou a escrever poesia porque Deus me fez poeta. Deu-me apenas a rara ousadia de possuir uma alma inquieta.” (José B. Alves de Oliveira)

Era a década de 1980. Eu cursava o terceiro colegial, hoje Ensino Médio. A disciplina era Filosofia e o nome do professor era Zé. Lembro-me do dia em que ele entrou na sala pela primeira vez. Era bem jovem. Usava um jeans desbotado, bata branca e tênis velhíssimos. Era magricela e tinha um cabelo grande para os padrões que se esperava de um professor à época.
Ele era tão diferente que, quando entrou na sala, os alunos continuaram conversando, alguns o cumprimentaram como se ele fosse um colega de turma. Só nos demos conta de que era o professor quando ele, inesperadamente, se sentou sobre a mesa, na posição de lótus, e começou a fazer a chamada, olhando bem para cada aluno que respondia “presente”, como se quisesse fixar, num único olhar, a fisionomia e o nome de cada um.
Poucos de nós sonhavam com o vestibular. Éramos todos pobres, estudávamos à noite e, para a maioria, conseguir o diploma do segundo grau já representava uma grande vitória. Havia meninas que estavam noivas e esperavam terminar o colegial para se casarem. Outras ainda estavam ocupadas em encontrar namorados, talvez mais preocupadas com isso do que com os estudos. Escrevendo este artigo, o cenário do antigo ginásio, a velha lousa, as carteiras e as vozes dos meus colegas de classe me voltam tão vivas à memória que é como se eu estivesse lá, espiando por uma fresta da porta entreaberta. Espiando a aula do Zé.
Filosofia era uma disciplina nova na grade curricular e os alunos não davam muita importância para ela. Sempre tinha o grupinho da conversa, a turma do sono, difícil de controlar, depois de um dia de trabalho, mas, as aulas do Zé eram tão diferentes que ele conseguia atrair a atenção de todos. Alguns colegas comentavam que ele era esquisito, outros nem ligavam, mas havia alguns que conseguiam se conectar perfeitamente a ele e a seu método de ensino nada convencional, diferente dos professores que nos faziam decorar um monte de matéria, nomes, locais, datas, acontecimentos históricos. O Zé não. O Zé nos trazia conceitos, nos trazia a ânsia de mudança, nos trazia poesia.
Ele não usava jaleco e, como já disse no início, não se vestia da forma convencional, como nossos professores. Seu falar era diferente, seu estilo era diferente. Ele era diferente e diferentes eram as suas aulas, sempre sentado sobre a mesa, de pernas cruzadas, como um iogue. Infelizmente, era só uma aula por semana, mas, para mim, era a aula mais esperada e o gosto pela filosofia se colou em minha alma e norteou muitos dos meus pensamentos e até mesmo de minhas escolhas.
Na última prova que fizemos, ele não trouxe folhas mimeografadas, com questões prontas sobre os filósofos e as correntes filosóficas. Ele apenas nos pediu para fazer uma redação sobre nossa visão do mundo. Escrever sempre foi a minha paixão e eu não tive nenhuma dificuldade em escrever uma longa dissertação. Na semana seguinte, quando ele nos devolveu as provas corrigidas, a nota que tirei foi a maior surpresa de minha vida de estudante. A minha nota não estava no lado da frente da folha, como a de meus colegas, estava atrás. Primeiro ele escreveu que concordava com a observação que fiz, no meu texto, sobre o escritor Richard Bach e em seguida: “Eu te dou um A, mas, se pudesse te daria uma nuvem”. Guardo essa prova até hoje e estou seriamente tentada a colocá-la numa moldura e pendurar na minha parede.
Hoje estamos em 2021. Quase quarenta anos se passaram. Eu não sei por onde anda o Zé, se ainda está vivo, se ainda possui aquela alma inquieta que marcou a vida de tantos alunos ou se hoje possui uma alma serena, amoldada ao sistema e às circunstâncias. O que sei, é que a minha alma se transformou, diante da inquietude da sua. Eu me sentia um peixe fora d’água, diferente, incompreendida. Estudar para mim era tirar notas altas em Língua Portuguesa, História e Biologia e quase me matar para conseguir tirar a média C necessária para passar de ano em Matemática, Física e Química. Meus professores não me enxergavam, ou me enxergavam sob o viés de suas formas mais fechadas de encarar o mundo. Por isso eu já tinha desistido uma vez. O Zé não. O Zé me enxergou. E desejou me dar uma nuvem.
Naquela aula de despedida, ele me deu também um presente. No fim da aula, que antecedia o intervalo, que chamávamos de recreio, ele me pediu para permanecer na sala e tirou de sua bolsa surrada um livrinho muito singelo, quase manufaturado. Um livro de poesias chamado “Palavras ao vento”. Me surpreendi ao ver o nome do autor. O livro era dele: José B. Alves de Oliveira. Não perguntei o que era o B., mas presumo que fosse Benedito, um nome do qual talvez ele não gostasse. O Alves de Oliveira me deixou em êxtase, pois esse é também o meu sobrenome e já achei que pudéssemos ser parentes. Conversamos um pouco sobre as nossas famílias e vimos que, infelizmente, não havia nenhum parentesco. Amei ganhar o seu livro, pois na época eu acreditava plenamente que nascera para ser poeta e que a poesia mudaria o mundo.
Hoje, tirando livros das caixas para pôr na estante, encontrei o singelo livrinho do Zé com suas palavras ao vento. O livro é aberto com uma frase de Aristóteles: “A esperança é o sonho de um homem acordado.” Fiz uma conexão com um filme que assisti semana passada, “Soul”, da Disney, um filme impressionante sobre um professor que queria ser músico. Um filme sobre destino, missão, vocação. Um filme sobre esperança. Um filme que tinha vários personagens chamados Zé, que é o nome mais simples do mundo. Eu sei que o meu Zé provavelmente não vai ler este artigo, mas, se pudesse saber dele, falar com ele, lhe diria: “Obrigada professor, por ter me devolvido a esperança e o dom de sonhar acordada, numa época que, embora tão jovem, eu já tinha perdido esse imenso dom. Valeu, Zé!”

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