Após completar 15 anos, a Lei nº. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – ainda é a normativa nacional mais importante e que baseia várias outras legislações no tocante a prevenção, punição e erradicação das violências e violações domésticas e familiares contra as mulheres. E partindo desse pressuposto faz-se necessária uma reflexão acerca de sua efetividade quando pensamos em sua aplicabilidade prática, e se apenas a Lei por si só é o suficiente para o enfrentamento das violências praticadas contra as mulheres.
Antes de avançarmos acerca da aplicabilidade da Lei é importante que façamos um breve retrospecto histórico a respeito do que motiva e conduz as práticas das violências contra as mulheres com o intuito de prevenir e impedir esta fatalidade que emerge e deixa marcas profundas em toda a sociedade, principalmente no contexto intrafamiliar, ceifando vidas diariamente.
A violência contra a mulher se baseia na relação com as categorias de gênero, classe e etnia e sua relação de poder. Tais relações estão retratadas numa ordem patriarcal destacada na sociedade brasileira, a qual atribuiu aos homens o pseudo-direito de dominar e controlar as mulheres, podendo em muitos casos, agir com violência, resultando inclusive na morte da vítima, como é o caso do feminicídio.
As violências contra as mulheres, além de históricas, são também produto de um fenômeno cultural enraizado em nossa sociedade. A lógica desses processos culturais não se dilui apenas com lei penais punitivas (não que não sejam necessárias). A posição imposta à mulher, pela cultura patriarcal, fez que as mulheres, durante muito tempo, se resignassem, se recolhessem apenas a espaços privados e muitas vezes à exclusão do convívio social. O que tolhia e limitava o seu poder de decisão, inclusive sobre elas mesmas, sobre seus corpos.
É neste contexto que este artigo visa resgatar a posição da mulher ao longo da história, assim como o tratamento dado historicamente às violências contra as mulheres, a fim de evidenciarmos os antecedentes que ainda alimentam a ocorrência desse fenômeno.
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006 cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Mas apesar de ser considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, frente aos crescentes números de violências e violações cometidas contra as Mulheres evidencia que sozinha não é suficiente para atingir o fim a que se destina.
A Lei Maria da Penha veio como resposta à necessidade do Brasil em assumir um compromisso de erradicação e eliminação de todas as formas de violência contra mulher, e com isso urge a implementação das políticas públicas previstas no artigo 8º, as quais devem ser tão estimadas quanto às medidas e providências protetivas de urgência. Contudo, destaca-se que estas (medidas e providências de urgência) afastam de imediato as mulheres da situação de agressão, deixando-as seguras (se devidamente aplicadas), já as políticas públicas afirmativas, que devem funcionar em total consonância com aquelas, buscam emponderar as mulheres para libertá-las da subjugação histórica a que ainda estão submetidas.
As violências cometidas contra os Direitos Humanos das mulheres demandam que a sociedade se implique a partir de um saber compartilhado, em ações multiprofissionais para a elaboração de políticas públicas e práticas de atenção (como a ressignificação do papel dos agressores), prevenção e combate às violências, que sejam efetivas e eficazes.
Myrian Ravanelli – Advogada, Conselheira Secional da OABSP e Vice-Presidente da Comissão Estadual da Mulher Advogada